Rafael Mayer não falava nem Português até os dois anos e oito meses
O hiperfoco é uma das características de pessoas que possuem Transtorno do Espectro Autista, mais conhecido como autismo. E foi esta qualidade que fez com que Rafael, com apenas seis anos, conseguisse se comunicar em oito idiomas.
Quem conta a façanha é a mãe do garoto, Juli Lanser Mayer, que esteve em Bauru ontem para participar, com outros ativistas, de uma mesa-redonda sobre o tema na Inspirar. “Na verdade, até o diagnóstico, com dois anos e oito meses, ele não falava, não interagia com ninguém. Mesmo com terapia, não apresentava evolução”, diz, lembrando que o autismo do filho foi classificado como severo, à época, por quatro neuropediatras.
Até que o garoto teve contato com equipamentos eletrônicos e descobriu o universo da Internet. Segundo Juli, foi como se tivesse apertado “um botão” que acionou, de uma hora para outra, o funcionamento do cérebro de Rafael para o aprendizado de idiomas.
Primeiro, foi Inglês, a primeira língua que ele começou a falar, antes mesmo do Português. Depois vieram Libras, Esperanto, Espanhol, Russo, Italiano e Alemão. “Em casa, a gente, por ser de Santa Catarina, fala Português e Alemão, mas ele prefere se comunicar em Inglês. Então, sempre conto com a ajuda de amigos para traduzir o que ele está falando”, cita Juli, que mora com o marido e mais três filhos em Timbó, cidade próxima a Blumenau.
MÚSICA
Além da alta habilidade para aprender línguas, Rafael revelou uma grande vocação para a música, o que o ajuda a se comunicar com os pais e a superar situações de crise, que são próprias do autismo. “Ele tem ouvido absoluto e, na primeira vez que sentou diante de um piano, já conseguiu tocar. Agora, ele está fazendo aula de música e está começando a aprender a tocar vários instrumentos”, comenta.
Hoje, com os estímulos que recebe para aperfeiçoar suas habilidades, Rafael segue evoluindo, já com diagnóstico de autismo moderado quanto à capacidade motora e grau leve no âmbito cognitivo. Sua história está sendo compartilhada por Juli, que é uma das fundadoras do Grupo de Apoio Educacional Autismos, no site http://www.julilansermayer.com.br e no Instagram julilansermayer.
Assim como Juli Mayer, o ilustrador e professor de educação artística Pedro Serra Lopes analisa que, apesar de ainda haver bastante desconhecimento sobre o autismo, a maior divulgação sobre o transtorno na última década contribuiu para aumentar o volume de diagnósticos no País até mesmo entre pessoas adultas, que possuem manifestações de grau leve que passaram despercebidas ao longo do tempo.
É o caso do próprio Pedro, morador de Bauru formado em Arquitetura, que também participou do evento realizado ontem na cidade. “Sempre me senti diferente. Tinha, e ainda tenho, algumas manias, alguns costumes, que são considerados fora do padrão estabelecido como normal. Na infância, foi atendido por psicólogos e psiquiatras, mas nenhum deles conseguiu fazer um diagnóstico preciso”, relembra, citando uma época em que pouco se falava sobre o transtorno.
A conclusão só veio aos 29 anos, por iniciativa dele e da família, que procuraram ajuda especializada quando passaram a suspeitar do diagnóstico, justamente pelas informações que se tornaram disponíveis sobre o autismo. Hoje, aos 32 anos, o ilustrador conta que descobrir-se com o transtorno trouxe alívio e maior conforto para conviver com as particularidades do seu modo de ser. “Passei a viver de maneira mais tranquila, por saber que havia uma explicação para tudo o que parecia diferente em mim”, acrescenta.
Segundo Juli, entre os adultos, especialmente as mulheres podem enfrentar maior dificuldade para alcançar o diagnóstico preciso, já que as manifestações do autismo, historicamente, foram mais estudadas em meninos do que em meninas.
“Entre as mulheres, é muito comum ser detectado TOC, transtornos de ansiedade, depressão com tendência suicida, mas outro problema associado, como dificuldade para executar determinados movimentos mais precisos, passar despercebido. Ela pode não ter déficit no desenvolvimento da fala, por exemplo, mas ser autista”, alerta, salientando que o diagnóstico correto é fundamental para buscar o tratamento adequado e melhorar a qualidade de vida dos autistas.
Dados fornececidos pelo JCNet