A força-tarefa da Operação Lava Jato investiga documentos encontrados na casa de Paulo Vieira de Souza, operador financeiro ligado ao PSDB, em São Paulo, que compõem uma espécie de “diário de prisão”, e cartas enviadas por familiares com menções a nomes cifrados.
Os procuradores pediram à Justiça, nesta quarta-feira (27), para interrogá-lo sobre os textos, que ainda não tiveram o conteúdo analisado. Eles querem saber quem são as pessoas citadas e o que significam as anotações.
Paulo Vieira de Souza foi diretor da Dersa, uma empresa estatal paulista de construção e manutenção de rodovias, de 2005 a 2010, durante os governos de Geraldo Alckmin e José Serra, do PSDB.
Alvo de investigações sobre desvios em obra do Rodoanel, Paulo Vieira foi preso duas vezes em 2018. Nas duas ele conseguiu decisão liminar para soltura, ambas dadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. Foi numa delas, quando ficou na penitenciária de Tremembé (SP), que Paulo Vieira escreveu e recebeu os documentos apreendidos neste ano.
Em 19 de fevereiro de 2019, o ex-diretor da Dersa voltou a ser preso – desta vez, por envolvimento na Lava Jato. Na 60ª fase da operação, Paulo foi investigado por operar propina da Odebrecht.
‘Diário de prisão’
Em um dos trechos do diário, o operador financeiro faz referência ao “Anjo Protetor Gi”. “Fui informado sobre HC (habeas corpus) Liminar ao Ministro (do STF) Gilmar Mendes e fui à missa pedir ajuda se possível do meu Anjo Protetor Gi, para relaxamento da minha prisão, por motivos da injustiça impetrados pelo MPF/SP e Juíza Maria Isabel, foi minha 1ª Comunhão na Igreja da Penitenciária”.
Em uma breve explicação, a força-tarefa diz que no trecho “observa-se a referência ao habeas corpus então impetrado pela defesa de Paulo Vieira de Souza junto ao eminente Ministro Gilmar Mendes, e a busca de ajuda do ‘Anjo Protetor Gi'”. O MPF não informou quem seria “Gi”, mas segundo informação do jornal “O Globo”, confirmada pelo G1, seria referência a uma filha de Paulo Vieira, já falecida.
O ex-diretor da Dersa foi preso pela primeira vez em 6 de abril de 2018 e obteve liminar (decisão provisória) de Gilmar Mendes em 11 de maio para ser solto. Voltou a ser preso em 30 de maio de 2018 e conseguiu liminar para soltura no mesmo dia, também por decisão de Mendes.
No “diário de prisão”, Paulo Vieira de Souza também cita cartas recebidas das filhas Tatiana e Priscila, fala da possibilidade de fazer uma delação e de um “pedido para Gi interferir com Deus a respeito de acalentar a minha Mini Family, Big Family e Amigos”. O texto não detalha quem faz parte da família e quem são os amigos.
“O criador atendeu meu pedido e logo às 19h o ministro Gilmar Mendes aceitou o HC de liminar por uma ameaça falsificada pelo MPF/SP e Juíza Maria Isabel do Prado”, relata.
O gabinete de Gilmar Mendes informou que o ministro não vai comentar o assunto.
O MPF diz que um dos trechos do diário mostra a proximidade de Paulo Souza com Aloysio Nunes Ferreira, ex-ministro das Relações Exteriores, que extrapola um “alegado empréstimo de recursos em 2007”. A filha de Paulo Souza teria emprestado, naquele ano, R$ 300 mil para Nunes comprar um apartamento, segundo notícia citada pelo MPF. O ex-ministro disse que pagou o empréstimo sem juros. Leia o trecho do diário:
“Às 10h30 fui falar com Advs (Santoro e Edgard Leite) sobre o andamento do processo e dúvida com respeito a minha posição sobre “DELAÇÃO PREMIADA”, caso eu permaneça em Tremembé até 03/2019, por conta da prescrição na dosimetria dos 70 anos, cujos dados eu tenho dúvida através do C.P.P., e irei pedir esclarecimentos, esta pergunta foi feita pelo Edgard e Santoro me questionou a respeito de por pilha no Adv. Daniel, com versão antagônica, não creio nessa versão do Governador, minha posição foi: não tenho o que e a quem delatar.
Solicitei ao Adv Santoro para falar com Aloysio ligar para minha casa e dar um apoio moral, contei a conversa da Pri e Ana Flávia na carta”.
Priscila Arana é filha de Paulo Vieira de Souza. Não há mais informações, na petição, sobre quem seria Ana Flávia. Na mesma operação que prendeu Paulo Vieira de Souza neste ano, a PF fez buscas na casa de uma mulher chamada Ana Flávia Pescuma, que foi assessora de Aloysio Nunes no Senado.
Aloysio Nunes é investigado pela Lava Jato. Segundo a força-tarefa, ele pode ter sido beneficiário de propina por meio de um cartão de crédito vinculado a uma conta na Suíça. Paulo Vieira é acusado de ter 11 cartões de crédito ligados a contas no exterior.
Quando esse trecho do diário foi escrito, Vieira tinha sido alvo de investigação por desvios de R$ 7,7 milhões de programa de reassentamento do Rodoanel Trecho Sul, obra de governos do PSDB, que teria favorecido um grupo de construtoras. Nessa época, Aloysio era secretário da Casa Civil de São Paulo, na gestão José Serra.
Quando foi citado na Lava Jato, Aloysio negou ter recebido um cartão de crédito. Em carta enviada ao governador João Doria, na qual anunciou a saída da presidência da Investe SP, agência paulista de promoção de investimentos, Aloysio disse que não teve acesso aos autos do inquérito em que é investigado. Ele afirmou ainda que acionou seus advogados e que irá colaborar com as autoridades para “cabal esclarecimentos dos fatos. Tenho certeza que a verdade me beneficiará, embora somente ao final de um processo de duração imprevisível.”
A reportagem do G1 procurou a assessoria do ex-senador para falar sobre a menção a ele nos diários de Paulo Vieira, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Cartas de familiares
Há ainda trechos cifrados de cartas enviadas por familiares. O MPF não identifica, na petição, quem escreveu essas cartas, quem são as pessoas citadas, como “Alô alô”, “Walt Disney” e a “vizinha”, mas nas imagens é possível ver algumas das assinaturas e que os textos chamam Paulo Vieira de Souza de pai.
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Carta assinada por “Giprita e Ruth”: “Há alguns meses atrás, nós recordamos que você iria fazer a delação e chamou o Alo Alô para informar-lhe. O Alô, a priori disse achar que você devia fazer o que achava melhor para você, o surpreendendo com a reação. Mas, algumas semanas depois, trouxe-lhe um salvador da pátria: Walt Disney (um cara sedutor)”;
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Carta assinada por “Giprita e Ruth”: “Após alguns minutos mencionou também ser o advogado dos Tucanos”;
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Carta assinada por “Giprita e Ruth”: “O Alô alô, ligou uma vez por 20 minutos e sumiu! A Ana Flávia, mandou 3 msn. Na última contei como você estava e disse que você era forte e acostumado com todas essas adversidades”;
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Carta assinada por “Giprita e Ruth”: “Respondi: Meu pai é forte mesmo, mas, a família não. Então, garanto que aguentaremos quietas apenas por mais um tempo. Após isso, a vida de todos vai mudar, não apenas a nossa. Saco cheio desses tucanos”;
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Carta escrita por uma das filhas (sem assinatura): “O Pindamanhagabence (xuxu) disse que você vai pagar tudinho. E que ele (governo dele) que iniciou a essa sua investigação”;
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Carta escrita por uma das filhas (sem assinatura): “O criado mudo e a vizinha estão ok’s e seguros”;