José Aedo, de 94 anos, e Blanca Sáez, de 86, são as mais novas vítimas da política de privatização da Previdência Social chilena, imposta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) durante a ditadura do general Pinochet na década de 80 e mantida pelos governos que o seguiram. À medida que os anos passam, o valor das pensões e aposentadorias vai sendo reduzido, o que se reflete no número recorde de suicídios.
Foi exatamente o que ocorreu com José e Blanca. Sem conseguir sustentar os gastos crescentes, após 62 anos juntos, decidiram recorrer a um gesto extremo e se tirar a vida. Foi em sua própria casa, em El Bosque, ao sul de Santiago, no início de fevereiro.
Na carta de despedida aos quatro filhos e sete netos, deixaram explícito que “estavam cansados de viver e depender da família”. Para deixar de ser um peso, José disparou em Blanca – que se encontrava doente e acumulando muitos gastos – e logo depois se suicidou com um tiro.
“São 62 anos de matrimônio, que viveram juntos e felizes. É uma história de amor onde nunca os vimos brigar ou tratar-se mal”, lamentou a neta que encontrou os corpos. “Todas as pessoas ficaram impactadas pela morte de ambos, porque foi inesperado, nem podíamos imaginar. Era um casal de tantos anos, com filhos e netos já adultos”, lamentou uma vizinha.
Conforme o Estudo Estatísticas Vitais, do Ministério de Saúde e do Instituto Nacional de Estatísticas (INE), entre 2010 e 2015, 936 adultos maiores de 70 anos tiraram sua própria vida no período. O levantamento aponta que os maiores de 80 anos apresentam as maiores taxas de suicídio – 17,7 por cada 100 mil habitantes – seguido pelos segmentos de 70 a 79 anos, com uma taxa de 15,4, contra uma taxa média nacional de 10,2. Segundo o Centro de Estudos de Velhice e Envelhecimento, são índices mórbidos, que crescem ano e ano, e refletem a “mais alta taxa de suicídios da América Latina”.
Uma das autoras da pesquisa ministerial, Ana Paula Vieira, acadêmica de Gerontologia da Universidade Católica e presidenta da Fundação Míranos, avalia que muitos dos casos visam simplesmente acabar com o sofrimento causado, “por não encontrar os recursos para lidar com o que está passando em sua vida”.
“O que nós percebemos, depois de anos de funcionamento, é que o sistema de pensões das AFP baixa toda a qualidade de vida na velhice”, afirma a economista chilena Claudia Sanheuza, diretora do Centro de Economia e Políticas Sociais da Universidade Mayor.
MULTINACIONAIS
Atualmente, das seis AFPs que atuam no Chile, cinco são controladas por empresas financeiras multinacionais: Principal Financial Group (EUA); Prudential Financial (EUA); MetLife (EUA); BTG Pactual (Brasil) e Grupo Sura (Colômbia), que administram fundos de 10 milhões de filiados. São recursos aplicados no mercado de capitais especulativos, nas bolsas de Londres e Frankfurt, para serem repassados sob a forma de empréstimos usurários aos próprios trabalhadores.
Na avaliação do representante do movimento No + AFP, Mario Villanueva, o sistema chileno de Previdência privada foi feito para injetar capitais no sistema financeiro e é o “coração do modelo neoliberal instaurado na ditadura”. Para se ter uma ideia, alertou, os recursos geridos pelas AFP já somam US$ 220 bilhões, equivalente a mais de 80% do PIB chileno.
Para garantir os lucros abusivos de meia dúzia de mega-usurários, o resultado perverso deste mecanismo de arrocho é escancarado pelos próprios dados oficiais: 79% dos pensionistas chilenos recebem menos que um salário mínimo.
A dura realidade dos fatos enterrou o discurso publicitário das AFP que propagandeava – com o apoio da grande mídia chilena – que os trabalhadores se aposentariam recebendo entre 70% a 100% dos últimos salários. Obviamente não foi o que ocorreu. Hoje, a média das pensões é de míseros 33% para homens e 25% para mulheres, segundo dados da Fundación Sol, que estuda o tema.