Pesquisadores da USP de Ribeirão Preto (SP) apontaram que a ayahuasca, bebida produzida com ervas da região amazônica utilizada em alguns rituais religiosos, também conhecida como chá do Santo Daime, ajuda a diminuir os sintomas em pessoas que sofrem de depressão grave.
Publicado recentemente na revista britânica “Psychological Medicine”, o estudo foi feito em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que já acumula iniciativas na área, e concluiu que metade dos pacientes que ingeriram uma dose controlada da substância psicoativa relatou melhora no bem-estar horas depois, uma sensação que se manteve por até três semanas.
“A gente percebe que elas ficam mais introspectivas, pelo que parece, elas têm essa forma. Quando estão de olhos fechados, parece que conseguem observar a dinâmica do pensamento delas, parece que elas conseguem ver de alguma forma as ideias. A gente ainda não sabe explicar o porquê, mas esse processo chega a um efeito terapêutico”, explica Rafael Santos, pesquisador e professor de pós- graduação em saúde mental da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP/USP).
O grupo quer ampliar as pesquisas sobre os benefícios a longo prazo, a fim de avaliar dosagens seguras para um eventual tratamento com o chá contra a depressão, e entender se a substância tem eficácia em pessoas com problemas como dependência química.
Para isso, os pesquisadores estão em busca de mais voluntários, pessoas em boas condições de saúde que não sejam usuárias de drogas. Interessados em participar podem entrar em contato pelo telefone (16) 3602-2703.
A pesquisa
Santos explica que o estudo começou depois que pesquisadores ouviram relatos de pessoas que confirmaram terem se sentido melhor depois de consumir a ayahuasca.
A bebida é produzida a partir do cozimento de folhas de Chacrona e de um tipo de cipó conhecido como Mariri, utilizada em rituais indígenas de cura espiritual na região amazônica, e difundida em outras partes do mundo.
“Diziam que melhoravam seu quadro de depressão e ansiedade, então decidimos testar em ambiente de laboratório, no hospital”, afirma Santos.
Ao todo foram selecionados em torno de 30 voluntários, todos eles com algum tipo de depressão crônica, que já haviam tomado algum tipo de medicação, mas que não haviam se curado.
“Elas tinham o que chamamos de depressão grave, depressão maior, ou uma depressão refratária ao tratamento. O que é isso? Não é uma tristeza comum, que qualquer um pode ter, de um dia mais difícil, são pessoas que têm esse componente de falta de motivação e prazer na vida cronicamente ao longo de anos.”
Houve um cuidado, no entanto, de não serem submetidas ao teste pessoas com problemas psicóticos. “São pessoas que a gente não administra a Ayahuasca, sem nenhuma condição, porque sabe que a Ayahuasca poderia aumentar esses sintomas.”
Como a substância tem efeitos psicoativos, além de vômito e diarreia, os pacientes foram colocados em uma sala monitorada, para que fossem observados de uma maneira segura e posteriormente examinados. Metade deles ingeriu uma pequena quantidade do chá, enquanto o outro grupo tomou um placebo, sem ação farmacológica, mas com cor e sabor semelhantes à original.
Uma semana depois da aplicação das doses, o estudo apontou que metade do grupo que tomou o chá do Santo Daime se disse livre dos sintomas da depressão, ao passo que apenas 10% das pessoas que beberam a substância sem efeito relataram o mesmo benefício.
“Administramos uma única dose desse composto e observamos em até duas semanas ou três depois uma melhora nesse sintoma de depressão, nessa falta de motivação, nessa falta de sentir prazer nas coisas do dia a dia, nessa tristeza mais crônica que essas pessoas sentiam. Então, em um período breve, de algumas semanas, esses sintomas foram reduzidos”, afirmou Santos.
O pesquisador, no entanto, explica que ainda são necessárias mais informações para que o chá seja adotado em um eventual tratamento para a depressão, além de sua aplicação em outros transtornos.
“O próximo passo seria fazer um estudo maior, ou seja, usar a mesma metodologia, mas envolver um número maior de pacientes. Estamos também começando a explorar outros transtornos, por exemplo, de ansiedade social, pessoas com fobia social. A gente está pensando em potencializar o ansiolítico da Ayahuasca e estamos testando também para dependência química.”
Ainda que liberado em rituais, o uso da Ayahuasca por parte de pessoas que tenham doenças como mal de Alzheimer, Parkinson e epilepsia tem resultados desconhecidos.
“No ritual pode haver um pouco mais de flexibilidade, mas a verdade é que nós não sabemos que tipo de pessoas ainda podem ou não tomar a Ayahuasca. Realmente estamos pesquisando ainda esses efeitos.”