Se o primeiro Como Treinar seu Dragão fala sobre tolerância entre seres diferentes e de como a união é importante para proporcionar uma evolução social, o terceiro capítulo da franquia aborda uma questão interessante que ruma a direção contrária da que foi imposta nos dois filmes anteriores: a do senso de cada um entender e respeitar seu lugar. Logo, Como Treinar seu Dragão 3 parte do princípio de seguir um caminho inédito perante a tudo o que foi estabelecido até aqui, dando uma volta pelo desconhecido – mas que ainda condiz com as origens da sociedade que Soluço hoje governa.
A principal mensagem que o filme de Dean DeBlois passa é que, às vezes, pode existir a necessidade de soltar de antigas amarras para chegar a um novo horizonte, por mais que seja desafiador e inusitado. Como Treinar seu Dragão 3 não é um filme que apresenta elementos novos para incrementar a trama; ele aproveita seu universo já bem estabelecido aos olhos do público e mira novamente no deleite visual, na trilha-sonora e no modo em que as cenas são filmadas. A naturalidade desta condução promove uma forte sensibilidade com o que Soluço, Banguela e toda a comunidade viking precisam encarar: uma nova guerra entre homens e dragões, desta vez com o vilão Grimmel orquestrando uma grande caçada às criaturas.
Grimmel tem como foco matar todos os Fúrias da Noite (o que inclui diretamente Banguela) e, para isso, possui dragões assustadores que na verdade são prisioneiros. Através do vilão e de sua crença que os dragões são criaturas que merecem ser tratadas com inferioridade e violência, o filme vai emoldurando o que realmente significa a integração dos dragões na sociedade: afinal, os humanos devem adaptar espaços para as criaturas ou deixá-las livres para escolher onde querem viver? Como Treinar seu Dragão 3 trabalha este encaixe social que, na verdade, não é tão obrigatório assim. O que importa é que a essência dos dragões se mantenha intacta, física e psicologicamente falando.
A cativante dupla Soluço e Banguela encara um novo nível de proximidade ao estarem acompanhados de suas respectivas parceiras: Astrid e uma nova Fúria da Luz pela qual Banguela se apaixona perdidamente (e que aparece para ajudá-lo a se conhecer melhor). O romance se dá diretamente aos casais e indiretamente também, com a surpresa de Banguela ao notar que ele também gostaria de viver ao lado de alguém e com a insegurança de Soluço ao ver que o amigo pode se sair muito bem por si só. Ainda sobre a amizade entre os dois, é muito bonito ver como Como Treinar seu Dragão 3 estabelece outro paralelo: de que ambos são capazes de governar e de agirem como líderes à sua própria maneira. O companheirismo continua sendo um dos pontos mais altos de todo o enredo, que dosa a parte emocional c om a cômica; mas há também espaço para o discernimento sobre o que é melhor para ambos.
Por mais divertido que seja acompanhar os heróis nesta saga que mistura aventura e romance, a animação ganha novamente um tom de seriedade através da guerra de Soluço contra Grimmel. O significado de lar passa a ser a união dos vikings e é a partir desta constatação que a narrativa se movimenta. Porém, se por um lado a participação da mãe de Soluço, Valka, era tão importante no filme anterior, neste capítulo ela é reduzida a poucas cenas cômicas que pouco acrescentam ao enredo – junto dos amigos do protagonista, que apenas o acompanham junto dos dragões “de estimação” e ganham destaque somente nas belas e orquestradas sequências de luta.
É difícil definir Como Treinar seu Dragão 3 em um só adjetivo. Emocionante, sim, mas principalmente harmônico. O belo desfecho da trilogia fala muito sobre maturidade e o valor que devemos dar às nossas companhias – não importa a duração que tenham. Por dividir o protagonismo de Soluço com Banguela, o filme eleva o nível de suas discussões de modo condizente com o que já foi apresentado anteriormente. Não é apenas Soluço que precisa de companhia para se tornar alguém melhor. Banguela, por mais amoroso que seja com seu fiel parceiro, percebe que também tem a mesma necessidade, sendo bem comovente seu crescimento como ser que aprende a pensar por si próprio.
Após unir duas esferas diferentes e inconstantes (que nunca conversaram de fato entre si), a franquia agora mostra que o elo entre humanos e dragões forma um só mundo que transcende espaço, tempo e o que já foi construído fisicamente.