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Profissionais de saúde que atuam na linha de frente da pandemia em Rondônia estão no limite do esgotamento físico e mental

“A população reclama que está trancada em casa, mas nós estamos trancados nos hospitais”. O desabafo é de um dos 39 médicos que atuam na linha de frente no combate à Covid-19 no Hospital de Campanha Zona Leste (Hcamp Zona Leste), mais conhecido como Cero. Billy Paul, além de gerente clínico do hospital tem mais dois contratos com o Governo do Estado de Rondônia. Enfrenta, assim como outros profissionais de saúde, os desafios da pandemia do coronavírus, atuando desde o início com pacientes mais graves.

A sobrecarga de trabalho se tornou comum para esses profissionais, que têm se desdobrado para cumprir escalas e dar conta do volume de trabalho criado pelo ciclo de contaminação da Covid-19, cada vez mais sólido. “A demanda aumentou muito desde a chegada dessa nova cepa, muito mais agressiva, e nós enquanto profissionais de saúde não conseguimos simplesmente deixar pra lá, nós estamos lidando com vidas.

“Meu plantão acaba, mas eu não posso abandonar o paciente sabendo que o colega médico está sobrecarregado”, ressaltou o profissional. Além do contrato de 40 horas semanais ele tem mais 160 horas extras, totalizando 264 horas de trabalho por mês. Mas como o trabalho não para, esse volume de trabalho sempre extrapola. Segundo o médico, só no mês de fevereiro ele trabalhou 424 horas, ou seja, 160 a mais do que pelas quais foi contratado.

 “Eu costumo dizer para quem me pergunta como é ser médico durante a pandemia que nós só fazemos duas coisas: trabalhar e dormir, nós não temos mais vida fora do hospital, e quando nós conseguimos sair encontramos aglomerações nas ruas. A população não está pensando nos profissionais de saúde”.

A rotatividade é muito grande de acordo com o diretor-geral da unidade, Richael Menezes Costa. O Cero tem atualmente 60 leitos no total, sendo 50 de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e 10 clínicos para pacientes em recuperação e com perspectiva de alta. “A morte continua chocando a gente, sejam médicos, enfermeiros, técnicos, não importa. Somos seres humanos também, lidamos com vidas. A perda é um trauma e a população precisa entender isso e evitar ao máximo sair de casa”, enfatiza o diretor-geral que complementa com uma triste realidade:

“Amanhã ou depois essas pessoas que participam de festas clandestinas, que fazem aglomerações onde quer que seja, vão estar aqui, ou na fila dependendo de leito. Os profissionais de saúde estão no limite”, lamenta.

Desde janeiro, com a chegada das novas variantes do coronavírus, o índice de mortes aumentou. Somente no Cero, 304 pessoas deram entrada, 135 receberam alta, 67 foram transferidos e 102 morreram. “A sala conhecida como ‘morgue’, onde ficam os corpos à espera da funerária, vive lotada, neste momento com quatro. É uma imagem triste de se ver”, complementa Richael.

Diretor-geral do Cero em uma das alas do Hospital

O diretor conta que muitos profissionais de saúde têm ficado doentes. Um dos casos mais graves foi de uma médica que estava grávida e contraiu a doença e teve parto prematuro de 32 semanas. O bebê prematuro nasceu com Covid-19 e se recupera da doença, enquanto a mãe segue entubada na UTI. Diariamente enfrentamos esse risco de frente. Muitos estão desistindo da profissão, mas a maioria continua firme, apesar de estar com o psicológico abalado. A médica que segue na UTI lutando pela vida contraiu a doença dentro da própria unidade onde trabalha. “É o caso de uma enfermeira que mesmo afastada para tratamento médico me mandou um áudio chorando dizendo que está em casa, mas está mal porque sabe que está fazendo falta para a equipe”, disse o diretor.

NO LIMITE

“Os profissionais de saúde que atuam na linha de frente no combate à Covid-19 representam o grupo com maior risco de vulnerabilidades emocionais e psicológicas no contexto atual. Não apenas pela carga horária exaustiva de trabalho, ou pelo próprio risco de ser infectado pelo vírus no seu ambiente de trabalho, mas também pelo confronto diário com os próprios limites e dores pessoais, a iminente possibilidade de perder a própria vida e os sonhos relacionados à sua profissão e às questões pessoais. A sensação de impotência diante do contexto tão desleal que a morte impõe àqueles que se comprometeram com a vida. Isso tudo tem levado os profissionais da saúde a adoecerem também enquanto cuidam do adoecimento de outros”, explica a psicóloga, Elizete Gonçalves da Silva Faustino.

Ela complementa que o estresse e a síndrome de “Burnout” têm estado muito presentes na rotina desses profissionais quase que diariamente. “Vemos que muitas vezes eles enfrentam esses cenários sozinhos, porque entendem que em seus lugares sociais os definem como “super-heróis” ou “à prova de dor”. Este contexto de pandemia tem nos mostrado que não há ninguém à prova de dor ou que seja super. Todos nós, de alguma maneira, enfrentamos nossos medos e sentimos nossas dores. Porque seria diferente com aqueles que lidam com isso todos os dias?” Argumenta a psicóloga.

“Resta a nós, que recebemos o cuidado deles, manter o nosso compromisso pessoal com a vida e seguir de maneira responsável os protocolos de segurança e distanciamento social, acreditando que essa será nossa forma de agradecer e honrar esses grandes homens e mulheres, que apesar de serem humanos, realizam trabalho de heróis”, diz Elizete.

POR DENTRO DA EXPERIÊNCIA

Além da parte física e mental, quem está na linha de frente
tem maior risco de contágio

Além da parte física e mental, quem está na linha de frente tem maior risco de contágio. Foi o que constatou a enfermeira Deusirene Rodrigues, que também é escritora. Recentemente ela começou a escrever um livro sobre as experiências desses profissionais de saúde. O trabalho está em fase de coleta de depoimentos. “A gente percebe nos relatos um misto de alegria e de tristeza. Alegria quando um paciente consegue superar a doença e tristeza quando infelizmente esse paciente morre. O desconhecido assusta, abrir mão da nossa família dói; cada perda é um baque e precisamos superar e seguir em frente”, conta.

Deusirene relata que uma das maiores dificuldades desta fase é sempre o momento seguinte. “É difícil trabalhar com um colega hoje e no outro dia se deparar com esse mesmo colega entubado na UTI”, lamenta.

A enfermeira-escritora exemplifica com o caso de uma das companheiras de profissão: “Ela teve 50% do pulmão comprometido. Graças a Deus ela sobreviveu, mas muitos não têm o mesmo final feliz como gostaríamos”, relata. Ela conta ainda, que muitos profissionais não estão suportando viver assim e alguns até estão desistindo da profissão.

Síndrome de Burnout é um disturbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade.


Fonte SECOM/RO – Fotos Divulgação

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