O número de mortes na capital do Amazonas disparou. Manaus apresenta o quíntuplo de óbitos por milhão de habitantes da média das capitais brasileiras em 2021.
O número, além de alto, traz um alerta para os demais estados: segundo a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas, que compara o crescimento da curva no primeiro e no segundo repique da doença no estado, neste ano cresceu a proporção de internações e óbitos por pessoas sem comorbidades e com menos de 60 anos.
A escassez de oxigênio, que atingiu o ápice em 14 de janeiro, expôs o drama local, quando a falta de insumo nos hospitais levou a mortes por asfixia. Neste ano, foram 1.486 óbitos por milhão em Manaus ante 263 nas capitais.
“Eu ficava aguardando por notícia na porta do hospital enquanto passavam muitos corpos próximos de todos que estavam lá. Teve dia que parecia que eu iria surtar, senti uma pressão tão forte na cabeça e esquecia até onde eu morava, eu passei a ter medo de atender número estranho de telefone”, conta Eunice.
Para conseguir atendimento para o pai, Lazaro Amorim de Souza, 82, ela diz que teve de percorrer cinco UBSs (Unidades Básicas de Saúde). Ele morreu no dia 10 de fevereiro.
A mãe, Cleomar Brito de Souza, 75, precisou aguardar por vaga no hospital em uma cadeira de plástico em janeiro deste ano. Ao chegar a um leito de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) já tinha 90% do pulmão comprometido. Eunice perdeu a mãe no dia 30 de janeiro.
Os pais morreram depois que enterraram a filha Edna Brito de Souza, 52, no dia 6 de janeiro. A filha do casal que morava no interior do estado também teve dificuldade para receber atendimento e não conseguiu vaga na UTI.
Na sexta-feira (12) o número de mortes deste ano por Covid-19 em Manaus ultrapassou o de 2020. São 3.572 óbitos de janeiro a 14 de fevereiro ante 3.380 mortes no ano passado inteiro. Se olhado somente este ano, mais de 8% das mortes por Covid-19 no Brasil ocorreram em Manaus, que tem apenas 1% da população brasileira.
Em nota, o Ministério da Saúde disse que tem atuado para contornar a crise no Amazonas. O governo do estado afirmou que ampliou o número de leitos. A prefeitura de Manaus, por sua vez, disse investir na rede básica.
Especialistas confirmam que a nova alta da doença na capital do Amazonas foi pior que a primeira. Além da falta de oxigênio, eles apontam diversos fatores que geraram a crise, como a precariedade do sistema de saúde e a falta de políticas públicas eficazes para conter a pandemia.
Henrique Pereira, coordenador do projeto Atlas ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) Amazonas da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), confirma essa avaliação. Completa, ainda, que Manaus sempre apresentou taxas altas de mortalidade e letalidade. “Em Manaus existe a precariedade do sistema e a alta densidade populacional”, diz.
Por causa da crise, Pereira ressalta que cresceu também o número de mortes de pessoas sem Covid-19 —ou seja, um efeito colateral da pandemia em outras enfermidades. O monitoramento é feito por meio do número de enterros em Manaus.
Para Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), o Norte historicamente já tem uma pior rede hospitalar, menos leitos de UTI e dificuldade de fixar médico na região. Esse problema ficou mais evidente na pandemia.
Ele acrescentou que essa falta de estrutura associada à falta de controle da pandemia por parte do poder público, principalmente por não impor regras para reduzir a circulação das pessoas para conter a transmissão, aumentou a crise.
“Se mantiver a política atual na região vamos ter o terceiro pico, isso porque não tem contensão social. Quanto maior a circulação das pessoas, maior a circulação do vírus, essa variante P.1. surgiu lá porque tem um descontrole maior da pandemia.”
Diego Xavier, pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz, considera que a variante P.1, encontrada em Manaus, possa estar associada ao contágio mais acelerado, o que fez elevar o número de casos rapidamente.
“À medida que forem retornando as atividades, podemos ter o aumento da circulação do vírus, a doença não vai passar enquanto não tivermos um volume de pessoas que tenham adquirido a doença ou estejam vacinadas”, diz.
Apesar da situação de Manaus, o coordenador do InfoGripe e pesquisador em saúde pública da Fiocruz Marcelo Gomes lembra que em todos os locais é observado um aumento significativo das mortes decorrentes da Srag (Síndrome Respiratória Aguda Grave).
Ele explica que, historicamente, o percentual de casos de Srag que culminavam em morte ficava em torno de 10 a 12%. Desde a chegada do novo coronavírus ao Brasil, há quase um ano, essa taxa de morte passou de 25%. Para os casos de Srag com diagnóstico de Covid-19, a média é de 33%.
“Quanto pior o cenário de transmissão, maior o número de casos, maior o número de internações e maior o número de óbitos. Por isso que é tão importante que toda a sociedade —governo federal, estadual, municipal, setor privado, e população em geral— faça tudo que estiver ao seu alcance para que toda a comunidade esteja protegida, minimizando transmissão”, afirma Gomes.
Ministério diz atuar para conter crise; estado investe em leito, e prefeitura, em rede básica
O Ministério da Saúde declara que, para mitigar os impactos da falta de oxigênio hospitalar, aviões da Força Aérea Brasileira e de companhias aéreas estão sendo mobilizados para levar cilindros de oxigênio de diversas partes do país ao Amazonas.
Segundo nota da pasta, a rede hospitalar já tem 26 novas usinas e miniusinas geradoras de oxigênio hospitalar instaladas, que geram, atualmente, 13.920 metros cúbicos de oxigênio por dia.
Em outra frente, o ministério diz que auxilia no processo de transferência de pacientes. Já foram transportadas 558 pessoas para receber tratamento em 19 estados. O trabalho está sendo feito de forma integrada com o governo do Amazonas e a prefeitura de Manaus.
A pasta afirma que houve a entrega de 815 mil máscaras N95, 5 milhões de máscaras cirúrgicas e de 180 monitores, 373 bombas de infusão, 6.900 equipes, 378 ventiladores pulmonares para UTIs e 218 para transporte. Também foram destinadas 40,5 mil unidades de medicamentos para intubação.
O governo do Amazonas, por sua vez, afirma que vem ampliando o número de leitos. Em outubro, eram 457 leitos exclusivos para pacientes com Covid-19; em janeiro, eram 1.280 leitos.
De acordo com o governo estadual, foram reativados o Hospital Nilton Lins e a enfermaria de campanha do Hospital Delphina Aziz em janeiro. A previsão é de abertura de mais de cem leitos nos próximos dias.
“Desde o início de janeiro, o governo vem adotando medidas de restrição, com decreto em vigor, para frear a transmissão do novo coronavírus no estado. Com isso, já foi possível observar uma estabilização no número de casos e internações nos últimos 15 dias”, afirma a nota do estado.
A prefeitura de Manaus relata que tem investido na ampliação da rede de atenção básica. Hoje são 22 UBSs (unidades básicas de saúde), sendo três delas móveis.
Em parceria com o Ministério da Saúde, foram contratado profissionais do Programa Mais Médicos, dos quais 26 já se apresentaram à Secretaria de Saúde da cidade, informa.
O governo municipal também investe na ampliação da imunização da população—o Amazonas é, até agora, o estado que proporcionalmente mais vacionou, tendo coberto com ao menos uma dose 4,7% de sua população até este domingo (14).
Para isso, montou nove postos de vacinação em diferentes zonas da cidade para que mais pessoas sejam vacinadas.
Fonte: Folha de S. Paulo – Foto Agência O Globo