O início da distribuição da vacina contra Covid-19 em alguns países é um sinal esperançoso no fim de um ano marcado pela pandemia e as restrições que ela trouxe.
No entanto, especialistas concordam que ainda levará tempo até que a normalidade volte a ser segura.
Como disse Anthony Fauci, principal autoridade em doenças infecciosas dos Estados Unidos, não é como “ligar e desligar um interruptor”. “Vai ser gradual. Serão meses para vacinar pessoas suficientes para abrir um guarda-chuva de imunidade sobre a comunidade”, disse.
Confira as respostas dos médicos para alguns dos principais questionamentos sobre a vida pós-vacina.
A vacina é o fim da pandemia?
Apesar de ser uma ferramenta poderosa, a vacina sozinha não significa o fim da pandemia.
“Vacina não quer dizer zero Covid”, disse Michael Ryan, diretor de emergências da OMS (Organização Mundial de Saúde), durante entrevista coletiva à imprensa. “A vacinação vai acrescentar uma ferramenta enorme às que já temos, mas sozinhas, não farão o trabalho”.
A distribuição dos imunizantes e o alcance de uma parcela suficiente da população vacinada para reduzir os números são alguns dos entraves nos próximos meses.
Além desses, ainda não há dados sobre a eficácia da vacina em algumas populações, como de pessoas com deficiência e crianças.
“Pelo menos por um bom tempo, até termos certeza que a circulação foi controlada, que não temos um número de casos significativo, principalmente nas populações de maior risco, até lá continuaremos tendo que ter cuidados”, disse Marcelo Otsuka, infectologista e coordenador da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia. “Nesse momento, a gente não pode afirmar nada ainda”.
Ainda teremos que usar máscaras?
Todos os cuidados — distanciamento, higienização das mãos e, sim, o uso de máscara — continuarão sendo necessários até que a quantidade de pessoas vacinadas seja “suficientemente grande”, explicou Antônio Bandeira, diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia, à CNN.
Ele também ressaltou que a vacina gera anticorpos, em média, depois de dez dias da aplicação.
No período entre uma dose e outra, devo tomar precauções?
Das quatro vacinas testadas no Brasil (Oxford, Coronavac, Pfizer e Janssen), ao menos três requerem duas aplicações, com intervalo de alguns dias, para serem efetivas.
Sem ambas as doses, a eficácia da vacina pode não ser a mesma. “Algumas vacinas requerem uma segunda dose. É possível que você tenha algum grau de imunidade algumas semanas depois da primeira dose, mas não será o grau ideal”, disse Fauci à CNN. “Depois da segunda dose, você consegue a imunidade ideal a partir de 7 a 10 dias. A eficácia foi tão alta que bem poucas pessoas que foram vacinadas foram contaminadas durante os testes clínicos”.
“Mas se um indivíduo falhar [em tomar a segunda dose], o esperado é que ele desenvolva sintomas como se não tivesse sido vacinado”, alertou.
A vacina contra Covid-19 será sazonal, como a da gripe?
É uma possibilidade, mas como muita coisa sobre a Covid-19, mais análises são necessárias. “É impossível predizer se a vacina de coronavírus necessitará de doses de reforço”, disse Renato Kfouri, diretor da SBIm.
“Nós vamos precisar de mais tempo para consolidar o conhecimento em relação à duração da proteção das diferentes vacinas. Talvez alguma vacina desencadeie resposta imune de maior duração, outras com menos”, afirmou.
Se já tive Covid-19, ainda tenho que tomar a vacina?
A imunização é recomendada mesmo para quem já teve a doença, disse a infectologista Ho Yeh Li, coordenadora da UTI de Infectologia do Hospital das Clínicas da USP. Ela ressalta, porém, que será necessário observar de perto o desenrolar dos resultados.
“A maioria dos estudos fizeram acompanhamento de 3 a 5 meses e boa parte dos pacientes mantém anticorpos detectáveis, mas ainda não dá para dizer o que isso realmente significa, porque há pacientes que, mesmo com anticorpo, se reinfectaram”, explicou.
A vacina será obrigatória?
O presidente Jair Bolsonaro tem repetido que a imunização será voluntária, mas o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu na semana passada que governos locais têm poder para estabelecer que a vacinação seja compulsória — mas não forçada.
Isso quer dizer que o indivíduo não pode ser levado à força para tomar a vacina, mas quem optar por não participar pode sofrer restrições, como proibição de entrada em locais ou deixar de receber um benefício.
Mutações podem afetar eficácia da vacina?
Até o momento, nenhuma das mutações já detectadas do novo coronavírus afetou a eficácia das vacinas.
“Apesar de a gente conseguir identificar mais mutações entre os vírus que circulam, ainda não há padrão que mostre claramente que o vírus está ficando mais transmissível ou que cause doença mais grave, nem o contrário, o que pode acontecer”, disse Alexandre Naime Barbosa, infectologista e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista).
“De qualquer forma, a vigilância [das mutações] tem que ser feita, porque vários vírus se adaptam para escapar da resistência, de vacina, de medicação”.
Quando podemos esperar diminuição de casos e retorno a atividades normais?
Serão os números quem orientarão a maior parte das medidas em todo o mundo. Provavelmente, as restrições serão relaxadas quando os casos e a mortalidade diminuírem — o que só deve acontecer quando uma porcentagem alta de pessoas for vacinada.
Esse número ainda é incerto. “Os dados iniciais sugeriam que teríamos de vacinar ao menos 70% da população, mas pode ser mais”, disse Otsuka, da SBI. “Hoje, a gente ainda não tem certeza, mas para qualquer vacina, a proposta é que a cobertura seja acima de 90% para controlar adequadamente a doença”.
Uma cobertura tão ampla de toda a população mundial pode levar anos.
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que há quatro áreas chaves em que os países precisam investir para ajudarem a acabar com a pandemia.
São elas: vacinas, preparação para a próxima pandemia, a saúde como fundação para paz e prosperidade e o multilateralismo para proteger o futuro comum do mundo.
“A pandemia provou que uma crise de saúde não é só uma crise de saúde, é uma crise social, econômica, política e humanitária”, disse. “Se o mundo quer evitar outra crise nessa escala, investimento nas funções básicas de saúde pública —e especialmente no atendimento primário —é essencial”.
Por Anna Satie, da CNN, em São Paulo – Foto destaque: Sergey Pivovarov/Reuters
(Com informações da Reuters, da CNN Internacional e de Ana Paula Lima Ribeiro)